"Estar bem comigo mesma é a arma que eu tenho”
Bianca Fortunato e Mariana Consolmagno
Elisângela, 40, tem câncer de mama e acredita no poder da autoestima
O câncer de mama é o segundo tipo de câncer mais frequente no mundo e o mais frequente em mulheres. Mais comum entre mulheres acima dos 35 anos de idade, a doença corresponde a 22% dos casos das pacientes com câncer: espera-se mais de 57 mil casos, em 2014. Visto que a doença se dá de maneira rápida e progressiva, as taxas de mortalidade por câncer de mama continuam elevadas.
No entanto, é preciso ter força para encarar o desafio diário contra a doença. Vencer o câncer de mama vai além de fazer a quimioterapia, radioterapia e mastectomia, cirurgia de remoção da mama, que é, muitas vezes, necessária. Para as mulheres que continuam mantendo uma vida paralela, com filhos para cuidar, marido para dar atenção e trabalho, manter a auto-estima elevada é um quesito importante. Aceitar a si própria, perante as consequências do tratamento, é um passo e tanto a ser conquistado. Elisângela Carvalho, de 40 anos, está no processo de tratamento do câncer de mama e é um exemplo a ser seguido. Ela compartilhou momentos, dificuldades, inspirações e formas de superar a doença, de cabeça erguida. Veja:
Conte-nos um pouco sobre você.
Elisângela: Meu nome é Elisângela Pereira de Carvalho, tenho 40 anos e sou recepcionista. Faz quase um ano… Em maio vai fazer um ano que eu operei da mama, mas eu descobri o câncer no dia 21 de janeiro de 2013. Eu estava na academia, malhando, e senti dor nas costas. Eu fui a um médico e ele falou “você está com pneumonia, mas tem uma mancha aí… Você tem ginecologista? Eu falei: ‘tenho’. Fui na minha médica, na minha clínico-geral e ela me pediu uma ultrassonografia e uma mamografia. Eu fiz e constou o nódulo… na realidade eram dois. E aí, ela me encaminhou para o Pérola Byington (hospital referência em saúde da mulher), onde eu me trato e já falou “Elisângela, aparentemente, não precisamente, é um nódulo, que já está num tamanho bom – ele estava com quase 3 centímetros – e você tem que encarar a realidade.” Aí fui para casa, chamei minha família, falei. Chorei muito…
Como você se sentiu?
E.: Isso foi numa sexta feira e eu fiquei o final de semana inteiro pensando, assim: “eu não sei se é, não sei”. Então eu chorei, mas falei, “não, de repente podem ser outras coisas, menos o câncer… mas pode ser o câncer”. Aí chegou na segunda-feira, eu fiz a biópsia e já peguei o resultado na mesma hora. A médica veio… nova, jovem, a médica… e ela… O olho dela é uma coisa que assim… É uma coisa que ela teve todo o cuidado pra falar comigo. E ela falou: “Elisângela, é câncer. É um tumor, é maligno.” Nessa hora, eu desabei. Eu senti como se fosse uma avalanche, assim, tivesse vindo nas minhas costas e eu chorei muito, e pensei nos meus dois filhos: O Wesley e o Yuri. E passou na minha cabeça também: “ai, será que eu vou ter que perder minha mama? Eu vou ter que ficar sem meu cabelo? Será que eu vou conseguir passar pela quimioterapia? Ai, meu Deus, será que eu vou conseguir, eu vou viver?” Essa palavra “maligno” é pesada, mas é o termo que eles usam… Aí eu respirei e pensei: “Não tem pra onde eu correr, é pra frente que se anda. E assim, eu vou vencer este câncer. Eu vou fazer tudo que tiver que ser feito pra amenizar esta caminhada”. Porque, pelo pouco que eu tive contato com as pessoas, com as mulheres, eu vi várias em várias fases. Várias como eu, descobrindo, ainda com cabelo, ainda com cílios, com sobrancelha…com o corpo bacana. Outras, já em cadeira de roda, porque o P.S. (Pronto Socorro) era embaixo do andar que eu tava. Em cadeira de rodas, sem cabelo, debilitada. Outras, com um papelzinho, uma pulseira, que até então eu não sabia mas era a pulseira de quimioterapia que eu ia descobrir depois de um tempo. De lenço já, com uma fisionomia mudada, porque não adianta, se você não se maquiar, se você não cuidar da sua aparência, você fica com uma característica igual. Todas iguais, uma fisionomia abatida, porque você perde o cabelo, que é o molde do seu rosto, a sobrancelha, os cílios. Eu não sabia a importância que isso tinha até eu perder, porque realmente, a minha essência continua a mesma, mas você perde a sua característica da sua face. Você perde, você não se enxerga mais. E se você não se maquiar, você não se vê. Você se vê como um… parece que a gente é meio que de uma raça, a gente se vê todo mundo meio que igualzinho, parecendo aquela brincadeira de japonês que tem todos a mesma cara… você não sabe distinguir se é chinês, se é japonês, se é coreano… todo mundo de olhinho puxado, todo mundo com aquela pele pálida e, é assim. E não é fácil você se olhar no espelho e não se ver. É um monte de coisa que você tem que lidar junto: perda do cabelo, sobrancelha, cílio, a perda da mama, a perda do movimento do braço. Você engorda, você tem que mudar roupas, a aceitação sua com o espelho. Tem que lidar com a quimioterapia, fazer de tudo para diminuir os sintomas e lidar com os problemas da família, porque paralelamente você não para de viver, você tem marido, você tem filhos, amigos. Os amigos cobram a sua presença, pra te ver bem… mas tem dia que não dá e muitas vezes eles não entendem. Tem dia que você acorda e está bem e se aceitando, dá uma leve maquiada, vai pra rua e consegue fazer tudo normal. Mas tem dia que você não consegue levantar da cama. Por mais que você tenha uma crença, acredite em um deus, seja uma pessoa super positiva, tem dia que a sua auto-estima não te deixa mesmo. A quimioterapia te deixa cansada e você não consegue lavar um copo, o que você quer é um silêncio e uma cama. E você tem que lutar, é uma luta constante todos os dias… todos os dias. Nenhum dia de ser humano nenhum normal é igual… entendeu? Mas, para nós que estamos enfrentando um câncer, a luta dobra, porque é um conjunto de tudo que você tem que lidar, e não é fácil. Mas você encontra pessoas no meio do caminho que te ajudam a lidar com isso.
Qual a importância da auto-estima para você?
E.: Pra mim, é tudo. Claro, cuidar do câncer é importante? É, mas eu sempre fui muito vaidosa. Eu malhava antes do câncer, tinha 58 quilos, um cabelo invejável, que batia na minha cintura, uma sobrancelha que todos achavam que eu tinha feito definitiva, uns cílios arqueados… gostava de malhar, de caminhar, gostava de me maquiar sempre. Isso ainda bem, porque quando você chega no câncer, têm mulheres que não gostam de se maquiar, então fica difícil. E se você gosta, fica uma coisa mais fácil, eu acho que é muito importante. A auto-estima é muito importante porque ela te leva para tudo, ela te dá força de você fazer uma caminhada, ela te dá forças pra você poder ir no mercado e numa loja, ir num churrasco, ir num teatro. Você precisa estar com a auto-estima bacana, senão você não consegue, ainda mais nós mulheres, que precisamos. A gente acaba se preocupando com o que as outras mulheres e o seu marido vão achar. Você meio que se arruma pros outros, sempre, e você tem que ter essa preocupação. E estando com a sua auto-estima sempre bem, você consegue sempre estar ali, os outros te vendo da mesma forma.
E você é casada?
E.: Eu sou casada há 26 anos.
Como ficou o relacionamento com o seu marido?
E.: Normal. Pra mim, no começo, o cabelo foi uma coisa complexa. Eu não tive coragem, foi até um pouco egoísta, mas foi o que aconteceu pra mim, eu não consegui raspar e fazer uma peruca pra doar pra uma companheira. Eu fui cortando aos poucos, porque eu não conseguia me ver sem cabelo. E ele chegou e me falou “Eu te amo e pra mim é normal. Você é linda, o seu rosto continua o mesmo”. Até então eu não tinha perdido a minha sobrancelha e os meus cílios. Na minha quinta quimioterapia que eu perdi tudo. O cabelo foi em 15 dias e ele me aceitou do jeito que eu sou, continuamos saindo pros mesmos lugares de mãos dadas. Ele não tem vergonha de mim, até porque eu faço de tudo para ele ver em mim a mulher que eu era. Não que eu tenha que mostrar isso para ele, porque o amor, o relacionamento, não é um cabelo, é muito mais além, é a essência. E a essência da Elisângela continua a mesma, eu sou a mesma mulher.
Como é a essência da Elisângela?
E.: Eu sou uma pessoa que ama viver, amo a vida e sou muito feliz. Eu amo sorrir, as pessoas que me conhecem sabem disso. Por mais sofrimento que eu tenha, porque tenho várias lutas, como todo ser humano tem, eu sei bem separar. Eu amo viver, amo a vida. Não que eu tenha aceitado o câncer, mas o que tem pra hoje é isso. É a minha vida hoje e eu não vou deixar de sorrir. Não vou me tornar uma pessoa amarga, mal educada com as outras pessoas, tratar os outros mal por eu estar enfrentando esse problema. Ninguém tem culpa disso, a nossa vida é feita de um destino que… eu não pensava que ia passar por isso, mas tive que passar. A nossa vida é um rio que tem que correr. E aí a gente tem que correr num sobe e desce, numa água mais tranquila, depois vem a água mais forte… e eu sou muito feliz. As pessoas veem um brilho no meu olhar e eu sou muito transparente em relação aos meus sentimentos. Quando eu estou brava as pessoas sabem, quando eu estou triste sabem, quando eu estou feliz sabem, e assim, de tudo isso, entre brava, tristeza e felicidade, eu sempre estou mais feliz do que os outros sentimentos. Eu sou muito feliz, amo viver, gosto de ver as outras pessoas felizes. Sei que o meu sorriso quebra, as vezes, o que o outro está sentindo de tristeza, de raiva. Falam “Po, eu estava triste, você sorrindo me faz bem”. Então eu acho que o sorriso é o caminho, a paz interior. Estar bem comigo mesma é a arma que eu tenho pra enfrentar tudo que eu tenho que enfrentar.
Você tem sonhos?
E.: Tenho, tenho sonhos sim. É engraçado que eu sonhava em pôr um silicone, mas por falta de condição financeira isso ia me podar. E agora vou ter isso. Eu sempre tive o sonho de ser modelo, fazer alguma propaganda que aparecessem os meus dentes, porque modéstia à parte, eu acho eles muito bonitos. E eu vou ter essa oportunidade. E tudo veio, e está vindo, depois que eu tive o câncer. Então é assim, a gente não sabe, mas na vida, tudo que é ruim, tem um lado bom. Eu sonho em fazer uma faculdade. Eu sou muito inteligente mas muito preguiçosa para estudar. Eu sei que tenho capacidade de entrar em uma faculdade e me formar, mas assim, eu achava que “Ah, não. Não é importante”, mas hoje eu vejo que é importante e é um dos meus sonhos. Falar inglês é um dos meus sonhos. E eu vi que não é sonho… antes era sonho, mas não, é uma realidade tão próxima, é só eu querer. Os nossos sonhos são capazes de se tornar reais, é só a gente querer. “Ah, eu tenho o sonho de ter uma casa, mas eu não tenho condição”, mas você tem meios, comunicação, pessoas que podem realizar esse sonho. Eu sonho em me casar, o meu marido me dar o sobrenome dele, mas ele fala “Meu, que bobagem, a gente já está a 26 anos juntos”, mas eu sonho em entrar numa igreja linda vestida de noiva, eu prezo isso. Para muitas pessoas isso é uma bobagem, mas para mim é um sonho… queria ter esse sonho. Eu perdi 4 dentes, e sonho em colocar eles de novo. Eu não deixei de sorrir, mas é um grande sonho meu.
O que você pode dizer que o câncer te ensinou?
E.: Ele ensinou que a gente é capaz… a gente se torna incapaz, mas ele nos traz tanta capacidade, tanta força… muito mais do que qualquer pessoa normal, entre aspas, porque você aprende a amar o próximo, a ser forte. “Ah não, não vou fazer hoje, vou deixar pra amanhã”, não, você tem que fazer hoje, ter a capacidade de fazer hoje e não deixar para amanhã, porque ele (o câncer) te limita. Hoje, você fica bem se tratando, mas ele faz você enxergar o relógio correndo mais rápido, você ser o seu auto relógio. Ele me ensinou a se desprender das coisas. Ele me ensinou que eu mesmo sem cabelo, sem mama, eu sou o ser humano que eu sou, e as pessoas podem me ver como eu sou. Eu não preciso ter um corpo malhado, um cabelo invejável para ser um ser humano que pode ajudar as pessoas. Ele me ensinou que mesmo sem uma mama, eu posso ser a pessoa que eu sou e ajudar o próximo. A não ser egoísta, a me doar, a tirar um tempo de mim, das minhas horas, e me doar para as outras pessoas. A me amar sempre, em primeiro lugar. Não deixar de fazer as suas coisas, porque cada um tem a sua história e não podemos deixar de viver a nossa por ninguém.
Tem alguma mensagem que você queira deixar, não só para quem está passando pelo câncer de mama, mas para as pessoas em geral?
E.: Se ame acima de qualquer coisa. Se ame, se conheça. Saiba os seus limites. Ajude até onde possa ajudar, faça até onde você possa fazer. Não dá para abraçar o mundo com as duas mãos.
Confira mais fotos da Elisângela em: Flickr
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